| A tentativa de integração da Little Rock Central High School, em Arkansas, foi recebida com violência por parte da população branca local. |
Interpretação de texto e perguntas sobre o Movimento dos Direitos Civis (EUA, 1954-1968)
O Movimento dos Direitos Civis foi empreendido por parte da população negra dos Estados Unidos entre 1954 e 1968 como parte da luta para acabar com a segregação no país. Em meados do século XX, a população negra do sul do país era impedida de exercer seu direito ao voto, era prejudicada no acesso à moradia e segregada em escolas, universidades, transportes, restaurantes, banheiros etc. Além disso, sofria vários tipos de violências psicológicas e físicas, incluindo linchamentos.
Havia também uma longa tradição de resistência, inclusive jurídica, praticada pela NAACP (Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor) e outras organizações. O trecho abaixo, de autoria do historiador Howard Zinn, apresenta três episódios dos primeiros anos de Movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos: a decisão da Suprema Corte quanto à dessegregação das escolas (1954), o boicote aos ônibus em Montgomery (1955-56) e os sit-ins. Leia-o atentamente e, ao final, responda às perguntas.
Brown v. Board of Education: a ilegalidade da segregação e a lenta dessegregação
“Em 1954, a Suprema Corte finalmente derrubou a doutrina do “separados, mas iguais”, que ela havia defendido desde a década de 1890. A NAACP levou uma série de casos à Corte para contestar a segregação nas escolas públicas, e agora, em Brown v. Board of Education, a Corte declarou que a separação de crianças nas escolas “gera um sentimento de inferioridade (...) que pode afetar seus corações e mentes de uma forma talvez irreversível”. No campo da educação pública, disse a Corte, “a doutrina do ‘separados, mas iguais’ não tem lugar”.
A Corte não exigiu mudança imediata: um ano depois, declarou que as instalações segregadas deveriam ser integradas “com toda a rapidez deliberada” (“with all deliberate speed”). Em 1965, dez anos após essa orientação, mais de 75% dos distritos escolares do Sul permaneciam segregados.
Ainda assim, foi uma decisão dramática — e a mensagem correu o mundo em 1954: o governo americano havia tornado ilegal a segregação. Nos Estados Unidos também, para aqueles que não pensavam no costumeiro abismo entre palavra e fato, foi um sinal empolgante de mudança.
O que para alguns parecia um progresso rápido, para os negros era claramente insuficiente. No início dos anos 1960, pessoas negras se levantaram em rebelião por todo o Sul. E no final da década, engajavam-se em insurreições violentas em centenas de cidades do Norte. Tudo isso surpreendeu aqueles que não possuíam a profunda memória da escravidão — a presença cotidiana da humilhação, registrada na poesia, na música, nos ocasionais surtos de raiva e nos silêncios sombrios mais frequentes. Parte dessa memória era composta de palavras proferidas, leis aprovadas e decisões tomadas que acabavam se revelando vazias.
Para um povo assim, com essa memória e essa recapitulação diária da história, a revolta estava sempre a minutos de acontecer — um mecanismo de tempo que ninguém havia ajustado, mas que podia disparar com algum conjunto imprevisível de eventos. Esses eventos vieram, no fim de 1955, na capital do Alabama — Montgomery.
O boicote aos ônibus em Montgomery
Três meses após sua prisão, Rosa Parks, uma costureira de 43 anos, explicou por que se recusou a obedecer à lei de Montgomery que exigia segregação nos ônibus urbanos, e por que decidiu sentar-se na seção “branca” do veículo:
Bem, em primeiro lugar, eu havia trabalhado o dia inteiro. Estava bastante cansada depois de um dia inteiro de trabalho. Eu lido e costuro roupas que as pessoas brancas usam. Isso não me veio à mente naquele momento, mas o que eu queria saber era: quando e como iremos, enfim, determinar nossos direitos como seres humanos? (...) Aconteceu que o motorista fez uma exigência, e eu simplesmente não senti vontade de obedecê-la. Ele chamou um policial e eu fui presa e levada à cadeia.
Os negros de Montgomery convocaram uma reunião em massa. Uma força poderosa na comunidade era E. D. Nixon, veterano sindicalista e organizador experiente. Decidiu-se boicotar todos os ônibus da cidade. Organizaram-se caronas para levar os negros ao trabalho; a maioria das pessoas ia a pé. A cidade reagiu acusando cem líderes do boicote e enviando muitos à prisão. Os segregacionistas brancos recorreram à violência. Bombas explodiram em quatro igrejas negras. Um tiro de espingarda foi disparado contra a porta da frente da casa do Dr. Martin Luther King Jr., o jovem pastor de 27 anos, nascido em Atlanta, que era um dos líderes do boicote. A casa de King foi bombardeada. Mas o povo negro de Montgomery persistiu, e em novembro de 1956, a Suprema Corte tornou ilegal a segregação nas linhas de ônibus locais.
Não-violência e amor como princípios
Montgomery foi o começo. Ela antecipou o estilo e o espírito do vasto movimento de protesto que varreria o Sul nos dez anos seguintes: reuniões emocionadas em igrejas, hinos cristãos adaptados às lutas contemporâneas, referências a ideais americanos perdidos, o compromisso com a não violência, e a disposição para lutar e sacrificar-se. Um repórter do New York Times descreveu uma dessas reuniões durante o boicote:
Um após o outro, os líderes negros indiciados subiram ao púlpito de uma igreja batista lotada esta noite para conclamar seus seguidores a evitar os ônibus da cidade e “andar com Deus”.
Mais de duas mil pessoas negras encheram a igreja do porão ao balcão e transbordaram para a rua. Cantaram e entoaram cânticos; gritaram e oraram; desabaram pelos corredores, suando sob um calor de 30 graus. Reafirmaram repetidas vezes seu compromisso com a “resistência passiva”. Sob essa bandeira, mantiveram por oitenta dias um teimoso boicote aos ônibus da cidade.
Nessa reunião, Martin Luther King deu uma prévia da oratória que logo inspiraria milhões de pessoas a exigir justiça racial. Ele disse que o protesto não era apenas pelos ônibus, mas por coisas que “se aprofundam nos arquivos da história”. Disse ele:
Conhecemos a humilhação, conhecemos a linguagem abusiva, fomos mergulhados no abismo da opressão. E decidimos nos levantar apenas com a arma do protesto. É uma das maiores glórias da América que tenhamos o direito de protestar.
Se formos presos todos os dias, explorados todos os dias, pisoteados todos os dias, jamais deixem que alguém os rebaixe tanto a ponto de odiá-los. Devemos usar a arma do amor. Devemos ter compaixão e compreensão por aqueles que nos odeiam. Devemos perceber que muitas pessoas foram ensinadas a nos odiar, e que, portanto, não são totalmente responsáveis por esse ódio. Mas estamos na vida à meia-noite — sempre à beira de uma nova aurora.
A ênfase de King no amor e na não violência foi extremamente eficaz para conquistar simpatia em todo o país, entre brancos e negros. Mas havia negros que achavam a mensagem ingênua — que, embora alguns pudessem ser conquistados pelo amor, outros precisariam ser combatidos duramente, e nem sempre de forma não violenta.
Dois anos após o boicote de Montgomery, em Monroe, Carolina do Norte, um ex-fuzileiro naval chamado Robert Williams, presidente local da NAACP, tornou-se conhecido por defender que os negros deveriam se proteger contra a violência — com armas, se necessário. Quando membros da Ku Klux Klan atacaram a casa de um dos líderes da NAACP local, Williams e outros negros, armados com rifles, revidaram. A Klan recuou. (A Klan começava agora a ser enfrentada com sua própria tática de violência; uma invasão da Klan a uma comunidade indígena na Carolina do Norte foi repelida por indígenas armados de rifles.)
Os sit-ins
Ainda assim, nos anos seguintes, os negros do Sul continuaram a enfatizar a não violência. Em 1º de fevereiro de 1960, quatro calouros de uma faculdade negra em Greensboro, Carolina do Norte, decidiram sentar-se no balcão de almoço da loja Woolworth no centro da cidade, onde apenas brancos comiam. Foram recusados, e, quando se negaram a sair, o balcão foi fechado para o dia. No dia seguinte, voltaram — e, dia após dia, outros negros vieram sentar-se em silêncio.
Nas duas semanas seguintes, os sit-ins se espalharam por quinze cidades em cinco estados do Sul. Uma estudante de dezessete anos da Spelman College, em Atlanta, Ruby Doris Smith, contou:
Quando o comitê estudantil foi formado, pedi à minha irmã mais velha que me colocasse na lista. Quando duzentos estudantes foram selecionados para a primeira manifestação, eu estava entre eles. Fui com outros seis alunos até o restaurante do Capitólio Estadual; passamos pela fila da comida, mas, ao chegar ao caixa, ela se recusou a aceitar nosso dinheiro. (...) O vice-governador veio e nos mandou sair. Nós não saímos — e fomos levados à cadeia do condado.
Em seu apartamento no Harlem, em Nova York, um jovem professor negro de matemática chamado Bob Moses viu uma foto dos manifestantes de Greensboro nos jornais:
Os estudantes naquela foto tinham uma certa expressão no rosto — uma mistura de raiva, teimosia e determinação. Antes, o negro no Sul sempre parecia na defensiva, submisso. Desta vez, eles tomavam a iniciativa. Eram jovens da minha idade, e percebi que isso tinha algo a ver com a minha própria vida.
Houve violência contra os manifestantes. Mas a ideia de tomar a iniciativa contra a segregação ganhou força. Nos doze meses seguintes, mais de 50 mil pessoas, na maioria negras, mas também algumas brancas, participaram de manifestações de vários tipos em cem cidades, e mais de 3.600 foram presas. Mas, ao final de 1960, os balcões de almoço estavam abertos para negros em Greensboro e em muitos outros lugares.
Zinn, Howard. A People’s History of the United States. New York: HarperCollins, 2009. Subtítulos adicionados.
Com base no texto, responda as seguintes perguntas:
1) Sobre a segregação nas escolas:
1a) Como a Suprema Corte justificou ao finalmente declarar a segregação das crianças nas escolas ilegal?
1b) Pode haver uma distância considerável entre uma mudança legal e uma mudança nas práticas sociais. O fim da segregação nas escolas foi praticado com rapidez ou não? Explique. Qual poderá ser o motivo para isso?
2) Sobre o boicote aos ônibus em Alabama:
2a) O texto descreve um evento ocorrido no fim do ano de 1955, em Montgomery, Alabama, como catalisador da revolta da população negra contra a condição de violência e segregação em que vivia. Descreva este evento.
2b) Qual foi a estratégia adotada pela população negra de Montgomery, que, cerca de um ano depois, resultou na declaração da Suprema Corte da ilegalidade a segregação nas linhas e ônibus locais? Descreva-a.
3) Sobre a visão de Martin Luther King:
3a) Quais valores eram defendidos pelo pastor Martin Luther King e praticados nos protestos do movimento?
3b) Toda a população negra concordava com a proposta de King? Se discordavam, qual era a discordância? Exemplifique.
4) Sobre os sit-ins:
4a) A expressão sit-in significa, literalmente, “sentar-se dentro”. Ela é uma estratégia não-violenta adotada contra a segregação, na esteira dos movimentos anteriores pelos direitos civis da população negra. No que consistiam os sit-ins? Como se deram suas primeiras aparições?
4b) O professor chamado Bob Moses relata, no trecho, ter identificado uma mudança nas emoções expressadas pelas pessoas envolvidas nos sit-ins, em comparação com momentos anteriores ao enfrentamento da segregação. Que mudança ele percebeu?
4c) Ao final de 1960, em Greensboro e em outros lugares, já havia um resultado nítido obtido pelos sit-ins. Qual foi esse resultado?
5) Pesquise e caracterize brevemente alguns eventos de momentos posteriores da luta pelos direitos civis:
5a) A Marcha sobre Washington (1963);
5b) A Lei dos Direitos Civis (1964) e a Lei dos Direitos de Voto (1965);
5c) O surgimento do movimento Black Power (1966);
5d) O assassinato de Martin Luther King (1968).

